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quarta-feira, 25 de junho de 2014

RESUMO DO LIVRO "A HORA DA ESTRELA"





O romance A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi publicado 
pela Francisco Alves Editora, 17ª; edição, da qual foram extraídas 
as citações utilizadas na análise. Rodrigo S.M., narrador onisciente, 
conta a história de Macabéa, personagem protagonista, vinda de 
Alagoas para o Rio de Janeiro, onde vivia com mais quatro colegas 
de quarto, além de trabalhar como datilógrafa (péssima, por sinal).


Resumo do livro:

Macabéa é uma mulher comum, para quem ninguém olharia, ou 
melhor, a quem qualquer um desprezaria: corpo franzino, doente,
 feia, maus hábitos de higiene. Além disso, era alvo fácil da propaganda 
e da indústria cultural (para exemplificar, seu desejo maior era ser 
igual a Marilyn Monroe, símbolo sexual da época).
Nossa personagem não sabe quem é, o que a torna incapaz de 
impor-se frente a qualquer um. Começa a namorar Olímpico de Jesus, 
nordestino ambicioso, que não vê nela chances de ascensão social de 
qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a para ficar com Glória, colega 
de trabalho de Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe 
sugeria a possibilidade de melhora financeira. Triste, nossa personagem 
busca consolo na cartomante, que prevê que ela seria, finalmente, 
feliz... a felicidade viria do “estrangeiro”. De certa forma, é o que 
acontece: ao sair da casa da cartomante, Macabéa é atropelada por 
Hans, que dirigia um luxuoso Mercedes-Benz. Esta é a sua “hora da 
estrela”, momento de libertação para alguém que, afinal, “vivia numa 
cidade toda feita contra ela”.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta,
continuarei a escrever. (...) Pensar é um ato. Sentir é um fato.”
Existe a necessidade constante de descobrir-se o princípio, mas o homem, 
limitado que é, não conhece a resposta a todas as perguntas. 
A personagem narradora não é diferente dos outros homens, porém, 
mesmo sem saber tais respostas, de uma coisa ela tem certeza e, por isso, 
ela afirma: “Tudo no mundo começou com um sim.” É preciso dizer sim 
para que algo comece, por isso, ela diz “sim” a Macabéa. 
Alguém que forçou seu nascimento, sua saída de dentro do narrador, 
tornando-se a nordestina, personagem protagonista de seu romance.
É o grito do narrador que aparece no corpo de Macabéa:


“Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a 
quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás - descubro 
eu agora - também não faço a menor falta, e até o que eu escrevo um 
outro escreveria. Um outro escritor sim, mas teria que ser homem 
porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”



Assim, ela é uma entre tantas, pois quem olharia para alguém com
“corpo cariado”, franzino, trajes sujos, ovários incapazes de reproduzir?
Com ela o narrador identifica-se, pois ele também nada fez de especial 
 (qualquer um escreveria o que ele escreve); teria de ser escritor, mas 
 nunca escritora; por outro lado, não se pode esquecer de que quem 
 escreve é Clarice Lispector, conforme se afirma na dedicatória.
Dessa forma, desencadeia-se, na primeira parte do livro, todo um processo 
de metalinguagem, que entrecortará a narrativa até o seu desfecho. 
O narrador homem - Rodrigo S. M. - tecerá reflexões sobre a posição 
que o escritor ocupa na sociedade, seu papel diante dela e, principalmente, 
sobre o processo de elaboração da escritura de sua obra:



“Escrevo neste instante com prévio pudor por vos estar invadindo com 
tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue 
arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e coagular em 
cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? 
Que sei eu. Se há veracidade nela - e é claro que a história é 
verdadeira embora inventada - que cada um reconheça em si mesmo 
porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro 
tem pobreza de espíirito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa 
do que ouro - existe a quem falte o delicado essencial.



Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora seja 
obrigado a usar as palavras que vos sustentam. A história - determino 
com falso livre arbítrio - vai ter uns sete personagens e eu sou um dos 
mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo, este, 
pois não quero ser modernoso e inventar modismos à guisa de originalidade. 
Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com 
começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e chuva caindo.”

Ironizando, repetidas vezes, o desejo que os leitores têm da narrativa 
tradicional, Clarice Lispector (aqui transfigurada no narrador 
Rodrigo S. M.), em contrapartida, não abre mão de suas características 
mais marcantes, ou seja, a reflexão, o elemento acima do enredo, o 
“silêncio e a chuva caindo”, que marcarão a personagem protagonista.

Como contar a vida sem menti-la? Para isso, pondera o narrador, a 
narrativa há de ser simples, sem arte. O narrador está enjoado de 
literatura. Não usará “termos suculentos”, “adjetivos esplendorosos”, 
“carnudos substantivos”, verbos “esguios que atravessam agudos o 
ar em vias de ação”. A linguagem deve ser despojada para ser precisa 
e para poder alcançar o corpo inteiro e vivo da realidade.

Como escreve o narrador?


“Verifico que escrevo de ouvido assim como aprendi inglês e francês de 
ouvido. Antecedentes meus do escrever? Sou um homem que tem mais 
dinheiro do que os que passam fome, o que faz de mim de algum modo 
um desonesto. (...) Que mais? Sim, não tenho classe social, marginalizado 
que sou. A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média 
com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca 
vem a mim.”

Chegamos, aqui, ao ponto mais importante desse trabalho de metalinguagem: 
a consciência do escritor como um marginalizado. É aqui que o narrador 
se funde com sua personagem: ambos são marginalizados, num espaço 
que não os aceita. Tal fusão se dá em todos os níveis - não apenas no desejo 
de simplicidade da linguagem despojada; para poder falar de Macabéa, o 
escritor torna-se um trabalhador braçal, faz-se pobre, dorme pouco, adquire 
olheiras fundas e escuras, deixa a barba por fazer, lidando com uma
 personagem que insiste, com seus dezenove anos, mesmo tendo 
“corpo cariado”, comparada a uma “cadela vadia”, “numa cidade toda feita 
contra ela”, em viver. Assim, personagem e narrador dão seu grito de 
resistência em busca da vida.

A resistência de Macabéa pode ser representada, por exemplo, nos momentos
 em que sorri na rua para pessoas que sequer a vêem; a resistência do narrador, 
na busca da palavra, cheia de sentidos secretos... a “coisa”, que, quando não 
existe, deve ser inventada (o narrador escritor como senhor da criação).

Tanto Macabéa como a palavra são pedras brutas a serem trabalhadas. 
A palavra será a mediadora entre o narrador e o leitor, e entre o leitor e 
Macabéa, pois é por meio dela que conheceremos a história da personagem,
os fatos e, principalmente, o nascimento deles. O narrador, ao contar 
Macabéa, conta a si mesmo, não só pelas sucessivas identificações com 
a personagem, mas porque ela sai de dentro de si, imanente que é a ele 
(“pois a datilógrafa não quer sair de meus ombros.”).

Dessa união, nasce uma nordestina vinda de Alagoas para o Rio de 
Janeiro. Datilógrafa, “o que lhe dava alguma dignidade”, fazendo-a 
acreditar que tal profissão indicava que “era alguém na vida” (aqui, 
não lhe passa pela cabeça que é uma péssima profissional, semi-analfabeta... 
ela não tem consciência de nada disso).

Alguém com aparência bruta, capaz de enojar suas quatro companheiras 
de quarto (na pensão onde morava), trabalhadoras das Lojas Americanas:


“... dormia de combinação de brim, com manchas bastante suspeitas de 
sangue pálido (...) Dormia de boca aberta por causa do nariz entupido.



Ela nascera com maus antecedentes e agora parecia uma filha de 
não-sei-o-quê com ar de se desculpar por ocupar espaço. No espelho 
distraidamente examinou as manchas do rosto. Em Alagoas chamavam-se ‘
panos’, diziam que vinham do fígado. Disfarçava os panos com grossa
camada de pó branco e se ficava meio caiada era melhor que o pardacento.



Ela toda era um pouco encardida pois raramente se lavava. De dia usava 
saia e blusa, de noite dormia de combinação. Uma colega de quarto não
sabia como avisar-lhe que seu cheiro era murrinhento. E como não sabia, 
ficou por isso mesmo, pois tinha medo de ofendê-la. Nada nela era 
iridescente, embora a pele do rosto entre as manchas tivesse um leve 
brilho de opala. Mas não importava. Ninguém olhava para ela na rua, 
ela era café frio.



Assoava o nariz na barra da combinação. Não tinha aquela coisa delicada 
que se chama encanto. Só eu a vejo encantadora. Só eu, seu autor, a amo.
 Sofro por ela.”

Sua falta de percepção física acompanha a psicológica. Começa com o
 fato de ela ser alvo fácil da sociedade consumista e da indústria cultural:
 gosta de colecionar anúncios; seus parcos conhecimentos são extraídos 
da Rádio Relógio (informações ouvidas, mas nunca entendidas); gosta 
de cachorro-quente e coca-cola. Aceita tudo isso sem questionar, pois 
teme as conclusões a que pode chegar (arrepende-se em Cristo por tudo,
mesmo não entendendo o que isso significa; não se vingava porque lhe 
disseram que isso é “coisa infernal”; apaixona-se pelo desconhecido, 
como no caso da palavra “efemérides”, mas nunca procurava, efetivamente, 
conhecer o incognoscível, pois era mais fácil aceitar aceitar-lhe a existência 
e admirá-lo a distância).

Consequentemente, torna-se personagem “torta”, de tanto encaixar-se 
num meio que tanto a repele. O próprio emprego de datilógrafa é revelador: 
ela o era por acreditar que este lhe dava alguma dignidade. Buscava a 
dignidade, como se não tivesse direito a ela. Outro dado revelador é seu
 relacionamento com Olímpico, desculpando-se com ele todo o tempo, 
chegando a dizer-lhe que não é muito gente, que só sabe ser impossível.

Ela não se defende por seus próprios valores, mas tenta adaptar-se aos 
valores do namorado, nunca discutindo a validade deles.

Olímpico representa o contraponto em relação a Macabéa. Seus valores 
em nada se relacionam aos dela: metalúrgico, quer ser deputado, afastar-se 
de Macabéa e ficar com Glória, a loira oxigenada, colega de trabalho de 
Macabéa; afinal, o pai dela era açougueiro, o que lhe dava maiores 
perspectivas de vida.

E tudo isso é, literalmente, engolido, tão deglutido, que ela não admite a 
idéia de vomitar; afinal, isso seria um desperdício.

Ao mesmo tempo, é sensual em seus pensamentos, ou nos momentos de
 solidão, como quando viu o homem bonito no botequim, ou ainda 
quando ficou em casa - ao invés de ir trabalhar - vivendo a sensação de
 liberdade.

O prazer em Macabéa é algo que sempre se alia à dor. Ao ver o homem, 
por exemplo, apesar do prazer que tal visão lhe dá, há o sofrimento por 
não o possuir e por ter a certeza de que alguém assim é mesmo só para 
ser visto. Macabéa já havia experimentado essas sensações contraditórias 
com outra pessoa, a tia, que, ao bater na menina, sentia prazer ao vê-la 
sofrer: “... e ela era só ela”, imune à vida, vida que era morte, por tanta 
aceitação.

O instinto de vida, que está ligado ao prazer, vem sustentáa-la. Diz o 
narrador: “Penso no sexo de Macabéa (...) seu sexo era a única marca 
veemente de sua existência.”

E ainda, mais adiante, ligando o prazer à morte: “Ela nada podia mas 
seu sexo exigia, como um nascido girassol num túmulo.”

De que “relação sexual” se pode falar no caso de Macabéa? Da relação 
com a própria vida, que ela insiste em manter, no seu conceito tão particular 
de beleza: usava batom vermelho, queria ser atriz de cinema com 
Marylin Monroe, apreciava os ruídos, pois eram vida.

Essas sensações se intensificam quando vai à cartomante Carlota 
(por recomendação de Glória), no momento em que esta lhe revela: 
a felicidade viria de fora, do estrangeiro. A cartomante mostra-lhe a 
tragédia que é sua vida (coisa de que, até o momento, não havia 
tomado consciência), mas, ao mesmo tempo, dá-lhe a esperança de 
acreditar que as coisas poderiam ser diferentes... a possível felicidade.

Quando sai da casa da cartomante, é atropelada por Hans, que dirigia
 um automóvel Mercedes-Benz, momento em que a vida se torna 
“um soco no estômago”:


“Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos 
paralelepípedos sujos. (...)



Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em 
posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em 
ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si 
mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e não sabia. (...)”

A morte dela é o momento em que Eros (Amor) se une a Tanatos 
(Morte), vida e morte, num momento doce, e sensual:


“Então - ali deitada - teve uma úmida felicidade suprema, pois ela
 nascera para o abraço da morte.



(...) E havia certa sensualidade no modo como se encolhera. 
Ou é como a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual?



É que o rosto dela lembrava um esgar de desejo. (...)



Se iria morrer, na morte passava de virgem a mulher. Não, não era 
morte pois não a quero para a moça: só um atropelamento que não 
significava sequer um desastre. Seu esforço de viver parecia uma 
coisa que se nunca experimentara, virgem que era , ao menos intuíra, 
pois só agora entendia que mulher nasce mulher desde o primeiro 
vagido. O destino de uma mulher é ser mulher. Intuíra o instante 
quase dolorido e esfuziante do desmaio do amor. Sim, doloroso 
reflorescimento tão difícil que ela empregava nele o corpo e a 
outra coisa que vós chamais de alma. (...)


Nesta hora exata, Macabéa sente um fundo enjôo de estômago e 
quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo 
luminoso. Estrela de mil pontas.

O que é que eu estou vendo agora é e que me assusta? Vejo que ela 
vomitou um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando
 no âmago: vitória!”

Sua boca, agora, vermelha como a de Marylin Monroe, no apogeu 
orgásmico da morte, grita, pela primeira vez, depois de vomitar, à vida:


“E então - então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a 
águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato 
estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”

Chegamos, afinal, ao momento da epifania do narrador fundido à 
Macabéa: é a vida que grita por si mesma, independente da opressão 
e da marginalização social. O momento, entremeado com silêncio, da 
consciência a que se chega pelo ato de escrever:


“(...) O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro
 correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e 
depois toca de novo. Etc. , etc., etc. No fundo ela não passara de uma
 caixinha de música meio desafinada.



Eu vos pergunto: - Qual é o peso da luz?



E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. 
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!



Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.



Sim.”

Enfim, descobrimos, agora, que tudo começa e acaba com um sim. 
Também é preciso coragem para morrer, silêncio para ouvir o grito da vida.

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