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sábado, 13 de janeiro de 2018

RESUMO DO LIVRO "VESTIDO DE NOIVA



Encenada pela primeira vez em 1943, a peça de Nelson Rodrigues 
mostra ações simultâneas em três planos – da realidade, da alucinação 
e da memória e deu início ao processo de modernização do teatro brasileiro.

Aplausos dos insultados
A peça "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, é um marco na história 
da dramaturgia nacional. A primeira montagem, em dezembro de 1943, 
deu início ao processo de modernização do teatro brasileiro.
Essa era a segunda peça escrita por Nelson. 
O autor trabalhava como jornalista, profissão que herdara do pai, e 
procurava, naquele período, uma fonte de sustento complementar. 
Seu primeiro trabalho para os palcos, "A Mulher sem Pecado", tinha 
como pretensão conseguir o sucesso obtido por outras produções da época, 
como A Família Lero-Lero, comédia de Raymundo Magalhães Júnior. 
Embora a peça de Nelson fosse uma obra de valor artístico muito superior 
à de Magalhães Júnior, ao estrear, em 1942, não obteve a simpatia do 
público e resultou em fracasso de bilheteria.

Um ano depois, Vestido de Noiva, de estrutura mais complexa, iria 
revolucionar o teatro brasileiro. A montagem foi realizada sob a direção do 
polonês Zbigniew Marian Ziembinski, que chegara ao Brasil cerca de dois 
anos antes. Experiente encenador, Ziembinski deu forma ao texto de Nelson. 
Seu rigor na encenação, com a exigência de ensaios constantes, levou a 
concepção brasileira de teatro a novos níveis.

A grande tensão que permeia a peça não se mostra apenas no antagonismo 
entre Alaíde e Lúcia, mas nas relações conflitantes entre todos os personagens. 
Nas cenas, a angústia da culpa supera sempre os tons de ternura amorosa com 
que geralmente são apresentados os laços familiares. 
As relações de desejo são também relações de ódio.

Um exemplo é a relação entre Lúcia e Pedro, cujo impulso poderia parecer 
exclusivamente erótico, um desejo cuja realização era impossibilitada pelo 
casamento entre Pedro e Alaíde. Tendo morrido Alaíde, era de esperar que 
um se entregasse ao outro imediatamente, mas o mecanismo da culpa atua, 
o que leva Lúcia a prometer diante do cadáver da irmã jamais ficar com Pedro. 
Desse conflito se depreende toda uma rede de ambivalências, que nascem 
também sob o signo do ridículo.

O gênero que, por excelência, incorpora o ridículo da desmesura sentimental 
é o melodrama moderno. Isso ocorre porque o melodrama parece tentar imitar 
a catarse da tragédia clássica numa época em que a indignação já não tem lugar. 
Valores como a honra perderam o significado, numa sociedade em que a 
dignidade depende de pressupostos materiais.

A peça configura uma crítica cáustica a determinada classe da sociedade 
carioca. Tal como ressalta o crítico Ronaldo Lima Lins: “Vestido de Noiva 
movimenta seu drama dentro de um círculo fechado. Ali está uma peça cujos 
problemas se passam no nível da pequena burguesia, que a aplaudiu e lhe deu 
notoriedade”. Nessa maneira velada de ação, está o êxito do teatro de Nelson 
Rodrigues: agradar a sua plateia, ao mesmo tempo em que a insulta.

Estrutura
A representação é dividida em três planos: da alucinação, da memória e da 
realidade. Há também duas escadas laterais. A peça se desenrola em três atos, 
cuja relação não é exatamente cronológica, a não ser no plano da realidade, o 
qual acompanha a degradação do estado de saúde de Alaíde e a aniquilação 
consequente dos outros dois planos.

Comentário do professor
Escrita e levada à cena em 1943, "Vestido de noiva" é uma espécie de "divisor 
de águas" do teatro brasileiro. Trata-se de uma peça revolucionária do ponto de 
vista estético-estrutural, cuja lógica interna remete a recepção (público) a um 
estado de perplexidade até então não protagonizado na dramaturgia brasileira. 
O argumento gira em torno da vida de Alaíde, personagem representativa da 
burguesia carioca, que morre tragicamente em um acidente (atropelada). 
Alaíde é levada ao hospital e, enquanto os médicos tentam salvá-la, ela 
protagoniza um tipo muito peculiar de viagem interior, uma jornada psíquica, 
de uma profundidade imaterial e antropológica que resgata seu passado e as 
figuras humanas que exerceram papéis decisivos em sua constituição. Alaíde, 
mulher voluntariosa e arrogante, conquistou Pedro, o namorado da irmã, Lúcia. 
Admiradora de Madame Clessi, antiga prostituta do Rio de Janeiro, 
Alaíde via em sua figura uma espécie de modelo de liberdade e de transgressão 
dos valores sociais. Enquanto está casada com Pedro, este protagoniza um caso 
adúltero com Lúcia, personagem com quem primeiro ia se casar. Após a morte 
de Alaíde, Pedro e Lúcia se casam, sem o menor remorso.

"Vestido de noiva" é uma peça absolutamente inusitada, porque o argumento 
acima proposto é apresentado sob uma perspectiva não linear e aparentemente 
caótica. A estrutura da obra, como referimos acima, propõe três planos: 
1) Plano da realidade – Alaíde é atropelada e levada ao hospital. 
Enquanto os médicos tentam recuperá-la, a imprensa divulga a notícia do trágico 
acidente. Não resistindo aos ferimentos, Alaíde morre. 2) Plano da alucinação – 
Alaíde está em busca de uma mulher misteriosa, Madame Clessi, prostituta que 
fora assassinada pelo namorado de dezessete anos. Os diálogos entre ambas são 
esclarecedores e convergentes para a resolução dos dramas da personagem 
central. 3) Plano da memória – as lembranças do passado de Alaíde vêm à tona 
e se consubstanciam com as imagens do plano da alucinação. 
É possível imaginar a extraordinária produção cênica que essa concepção 
teatral exigiu, principalmente de atores e equipe técnica, quando foi pela primeira 
vez apresentada, em 1943. A crítica social é inquestionável, pois Nelson 
Rodrigues não perdoou a hipocrisia social. Por isso mesmo, fez do teatro uma 
ferramenta de denúncia, capaz de pôr por terra as máscaras (assim como fizera, 
no século XIX, Machado de Assis), revelando a face sombria e desumana da 
sociedade carioca do século XX.

Primeiro Ato
A peça inicia-se com sons bastante conhecidos pelos habitantes de qualquer 
metrópole:
“Buzina de um automóvel. Rumor de derrapagem violenta. Som de vidraças 
partidas. Silêncio. Assistência. Silêncio”.

Cria-se, dessa forma, na imaginação do espectador, a cena de um atropelamento. 
Acende-se o plano da alucinação, e Alaíde chama por Madame Clessi. 
Encontra-se com vários personagens desconhecidos, ele que, aos poucos, lhe 
informam que Clessi fora assassinada. Alaíde desespera-se.

Acende-se o plano da realidade, com várias pessoas falando pelo telefone ao 
mesmo tempo. São repórteres que noticiam o atropelamento. 
No plano da alucinação, Alaíde está num bordel e recebe um homem que tem 
o rosto de seu marido. Suas atitudes são extremadas: acaricia o homem e o 
esbofeteia. Alaíde repara que todos os homens que aparecem têm o rosto de 
seu marido e encontra Madame Clessi, que a ajuda a lembrar-se da infância.

O plano da memória registra o diálogo entre os pais de Alaíde a respeito de 
Madame Clessi, antiga habitante da casa.

No plano da realidade, o diálogo lacônico entre os médicos revela que Alaíde 
está sobre uma mesa de operação. Alternam-se os diálogos entre Alaíde e 
Clessi no plano da alucinação e cenas do passado no plano da memória. 
Alaíde diz a Clessi ter matado seu marido.

Aparece também a Mulher de Véu, cuja identidade Alaíde parece não querer 
revelar. Madame Clessi pede a Alaíde que recorde o dia em que se casou. 
Alaíde lembra-se de que sua futura sogra elogiou o vestido de noiva pouco 
antes de ela entrar na igreja. Relembra também que havia mais alguém com 
elas, mas não consegue identificar essa pessoa.


Segundo Ato
Diálogo entre Alaíde e Clessi ao microfone. No plano da memória, Alaíde e 
a Mulher de Véu discutem violentamente. A segunda parece disposta a 
estragar o casamento de Alaíde. Aos poucos, descobre-se o motivo: o noivo 
fora namorado da Mulher de Véu, e Alaíde roubara-o dela. Clessi interroga 
Alaíde sobre a identidade da Mulher de Véu.

Plano da realidade: os médicos tentam os últimos recursos para salvar a vida 
de Alaíde. Sua memória está em franca desagregação; acendem-se as luzes das 
escadas laterais, das quais descem dois homens empunhando círios e se ajoelham 
diante de uma cruz, no plano da alucinação. Duas cenas são apresentadas de 
maneira entrecortada. Numa delas, a Mulher de Véu revela a Alaíde seu desejo 
de vingança; na outra, Clessi conversa com um jovem namorado, e este sugere 
que os dois se matem de amor. A mulher não parece levar a sério a conversa 
do garoto.

No plano da alucinação, uma mulher se senta junto aos dois homens. 
Estão diante de um ataúde, dialogam num cínico tom de flerte. A conversa entre 
Alaíde e a Mulher de Véu se torna cada vez mais tensa. Alaíde revela a Clessi 
que a cena na qual os dois homens estão ajoelhados ante um ataúde é a do 
enterro da própria Madame Clessi. A identidade da Mulher de Véu é 
descoberta: trata-se de Lúcia, irmã de Alaíde.

Plano da realidade: Pedro pergunta aos médicos sobre a condição de sua 
esposa. Os médicos informam que o estado da paciente é grave, mas o homem 
não demonstra nenhum abalo emocional.

Terceiro Ato
Alaíde descobre que não matou o marido. Novo diálogo entre Clessi e o 
jovem namorado, em que ele lhe pede para morrerem juntos. Alaíde e Lúcia 
discutem no plano da alucinação, e aparecem outros personagens no meio 
da discussão, entre os quais Pedro e Dona Lígia. Clessi e o namorado 
conversam, ela entrega-lhe algum dinheiro. A mãe do jovem aparece e inicia 
uma discussão com Clessi, na qual pede que a mulher deixe de ver seu filho. 
Alaíde lamenta-se por confundir essas pessoas com personagens da ópera La 
Traviata e do filme …E o Vento Levou. A discussão termina com Clessi 
expulsando a mãe do rapaz de casa.

Plano da realidade: repórteres noticiam o acidente de Alaíde, descobrem se
 tratar de alguém importante, mulher do industrial Pedro Moreira. 
No plano da alucinação, Alaíde conta a Clessi suas recordações sobre a 
morte da mulher. Pedro surge e Clessi desaparece. Alaíde acusa Pedro de 
não a amar e diz saber que ele e Lúcia desejam sua morte. Surge Lúcia de 
luto fechado, os três juntam suas cabeças. Corte para o plano da realidade, 
no qual o diálogo entre os médicos revela a morte de Alaíde. No plano da 
alucinação, Alaíde e Clessi aparecem de costas para a platéia. Os repórteres 
noticiam a morte de Alaíde e dizem que a irmã chora muito.

No plano da realidade, Pedro é repelido por Lúcia, que diz ter jurado diante 
do cadáver da irmã não mais se aproximar dele. Diálogo entre Alaíde e Lúcia, 
no qual Alaíde ameaça a irmã. Lúcia acusa Pedro de ter incutido nela o desejo 
de que Alaíde morresse; falam de um “crime”, mas sempre entre aspas, o que 
confere ambigüidade ao termo.

Cenas sucessivas apresentam saltos cronológicos: discussão entre Lúcia e sua 
mãe; Lúcia volta de uma viagem, mais gorda e mais corada; Lúcia se prepara 
para o casamento com Pedro e faz a Laura a mesma pergunta que Alaíde 
fizera: “Estou muito feia, D. Laura?” – ao que Laura responde: “Linda! 
Um amor!”. Lúcia pede o buquê, e essa é sua última fala. Madame Clessi 
sobe uma escada. Surge também Alaíde, que caminha em direção a Lúcia 
como quem vai lhe entregar o buquê. A cena se apaga, exceto por uma luz 
que ilumina o túmulo de Alaíde.

Personagens
Alaíde: a protagonista. Casada com um homem importante (Pedro), é 
atropelada no começo da peça. A tensão dramática se constrói sob a 
expectativa de sua morte. Não se sabe se o atropelamento foi criminoso, 
acidental ou decorrente de tentativa de suicídio, e esse é um dos grandes 
êxitos da obra.
Lúcia (mulher de véu): irmã de Alaíde, surge inicialmente como a Mulher 
de Véu. Conforme a situação se descortina, descobre-se que Lúcia fora 
escondida sob um véu em conseqüência da culpa que Alaíde sentia em relação 
a ela. No passado, Pedro havia sido namorado de Lúcia, que acusava a irmã 
de tê-lo roubado dela.
Pedro: industrial bem-sucedido. Após o casamento com Alaíde, continua a 
desejar Lúcia, a ex-namorada, e com ela planeja matar sua mulher. 
Seu principal traço de caráter é o cinismo.
Madame Clessi: antiga prostituta de luxo assassinada por um jovem amante 
em 1905. A casa onde os pais de Alaíde e Lúcia foram morar tinha sido a 
habitação de Madame Clessi e o local onde ela exercia sua profissão. 
Sua figura é construída na imaginação de Alaíde, que, quando pequena, 
encontrara no sótão da casa o diário de Madame Clessi.
Dona Lígia: mãe de Alaíde e de Lúcia, mulher de costumes conservadores, 
representa o peso da tradição e dos bons costumes, que atuam sobre os 
personagens principais.
Gastão: marido de Dona Lígia, pai de Alaíde e de Lúcia. Sua principal 
aparição se dá no plano da memória, no qual está conversando com sua 
mulher sobre as atividades que eram exercidas na casa na época de Madame 
Clessi. “O negócio acabava numa orgia louca”, o curto diálogo, no qual 
Gastão profere essas palavras, marca profundamente a protagonista.

Sobre Nelson Rodrigues
Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, e 
mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro. Aos 13 anos começou a 
trabalhar em jornal. Escreveu sua primeira peça, "A Mulher sem Pecado", 
em 1941. Dois anos depois, a montagem de Vestido de Noiva revolucionou 
o teatro nacional e transformou-o num dos principais dramaturgos brasileiros.

Sua obra teatral é assim classificada pelo crítico Sábato Magaldi: peças 
psicológicas (nas quais se incluem as duas primeiras), peças mitológicas 
("Anjo Negro" e "Álbum de Família") e tragédias cariocas ("A Falecida" 
e "O Beijo no Asfalto"). Suas obras causaram polêmica ao abordar temas 
sexuais e morais, como o tabu do incesto e a infidelidade, de forma mórbida, 
obsessiva e moralista.

Sua vida pessoal foi marcada por tragédias, como o assassinato do irmão e 
o choque por saber que seu filho fora torturado pela ditadura militar, regime 
que Nelson apoiou. Escreveu também os romances "Meu Destino É Pecar"
 e "O Casamento", além de livros de crônicas. Morreu no Rio de Janeiro, 
em 21 de dezembro de 1980.



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