Análise:
A estética da seca
"Vidas Secas" é um dos maiores expoentes da segunda fase modernista,
a do regionalismo. O diferencial desse livro para os demais da época é
o apuro técnico do autor. Graciliano Ramos, ao explorar a temática
regionalista, utiliza vários expedientes formais – discurso indireto livre,
narrativa não-linear, nomes dos personagens – que confirmam
literariamente a denúncia das mazelas sociais.
O livro consegue desde o título mostrar a desumanização que a seca
O livro consegue desde o título mostrar a desumanização que a seca
promove nos personagens, cuja expressão verbal é tão estéril quanto o
solo castigado da região. A miséria causada pela seca, como elemento
natural, soma-se à miséria imposta pela influência social, representada
pela exploração dos ricos proprietários da região.
Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade
Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade
de continuar a viver no espaço que ocupavam. São, portanto, obrigados a
retirar-se para outros lugares. Uma das implicações dessa vida nômade dos
sertanejos é a fragmentação temporal e espacial.
Graciliano Ramos conseguiu captar essa fragmentação na estrutura de
Graciliano Ramos conseguiu captar essa fragmentação na estrutura de
Vidas Secas ao utilizar um método de composição que rompia com a
linearidade temporal, costumeira nos romances do século XIX.
A proposital falta de linearidade, ou seja, de capítulos que se ligam
A proposital falta de linearidade, ou seja, de capítulos que se ligam
temporalmente, por relações de causa e de consequência, dá aos 13
capítulos de Vidas Secas uma autonomia que permite, até mesmo, a leitura
de cada um de forma independente.
Narrador
A escolha do foco narrativo em terceira pessoa é emblemática, uma vez
Narrador
A escolha do foco narrativo em terceira pessoa é emblemática, uma vez
que esse é o único livro em que Graciliano Ramos utilizou tal recurso.
Trata-se, na verdade, de uma necessidade da narrativa, para que fosse
mantida a verossimilhança da obra. Por causa da paupérrima articulação
verbal dos personagens, reflexo das adversidades naturais e sociais que
os afligem, nenhum parece capacitado a assumir o posto de narrador.
O autor utilizou também o discurso indireto livre, forma híbrida em que
O autor utilizou também o discurso indireto livre, forma híbrida em que
as falas dos personagens se mesclam ao discurso do narrador em terceira
pessoa. Essa foi a solução para que a voz dos marginalizados pudesse
participar da narração sem que tivessem de arcar com a responsabilidade
de conduzir de forma integral a narrativa.
Espaço
A narrativa é ambientada no sertão, região marcada pelas chuvas escassas
Espaço
A narrativa é ambientada no sertão, região marcada pelas chuvas escassas
e irregulares. Essa falta de chuva – somada a uma política de descaso do
governo com os investimentos sociais – transforma a paisagem em ambiente
inóspito e hostil.
Inverno, na região, é o nome dado à época de chuvas, em que a esperança
Inverno, na região, é o nome dado à época de chuvas, em que a esperança
sertaneja floresce. O sonho de uma existência menos árida e miserável
esboça-se no horizonte e dura até as chuvas cessarem e a seca retornar
implacável. No romance, essa esperança aparece no capítulo “Inverno”, em
que Fabiano alimenta a expectativa de uma vida melhor, mais digna.
O retorno à visão marcada pela falta de perspectivas recomeça com o fim
O retorno à visão marcada pela falta de perspectivas recomeça com o fim
das chuvas, com o fim da esperança. Na obra, pode-se apontar, também, para
dois recortes espaciais: o ambiente rural e o urbano. A relevância desse recorte
se deve às sensações de adequação ou inadequação dos personagens em um
ou outro espaço.
Fabiano consegue, apesar da miséria presente, dominar o ambiente rural.
Fabiano consegue, apesar da miséria presente, dominar o ambiente rural.
Incapaz de se comunicar, o personagem, desempenhando a solitária função
de vaqueiro, não sente tanto as consequências de seu laconismo. Além disso,
conhece as técnicas de sua profissão, o que lhe dá uma sensação de utilidade
e permite que goze até de certa dignidade. A passagem em que seu filho o
admira ao vê-lo trabalhando deixa claro isso. Na cidade, porém, Fabiano
vivencia, a cada nova experiência, o sentimento de inadequação.
Os capítulos “Festa” e “Cadeia” ilustram bem essa sensação.
Tempo
Além da falta de linearidade do tempo, em "Vidas Secas" há nítida valorização
Tempo
Além da falta de linearidade do tempo, em "Vidas Secas" há nítida valorização
do tempo psicológico, em detrimento do cronológico. Essa opção do narrador
de ocultar os marcadores temporais tem como principal consequência o
distanciamento dos personagens da ordenação civilizada do tempo.
Dessa forma, nota-se que a ausência de uma marcação cronológica temporal
Dessa forma, nota-se que a ausência de uma marcação cronológica temporal
serve, enquanto elemento estrutural, como mais uma forma de evidenciar a
exclusão dos personagens. Por outro lado, a valorização do tempo psicológico
na narrativa faz com que as angústias dos personagens fiquem mais próximas
do leitor, que as percebe com muito mais intensidade.
Comentário do Professor
A professora de Literatura do Cursinho do XI Ausonia Reda Luppi frisa que
Comentário do Professor
A professora de Literatura do Cursinho do XI Ausonia Reda Luppi frisa que
"Vidas Secas" é um romance cíclico. São 13 capítulos independentes que
contam a retirada de uma família. Inicia-se com uma mudança e termina com
a fuga.
A família é composta pelo pai – Fabiano – que quase não fala, não sabe que é
A família é composta pelo pai – Fabiano – que quase não fala, não sabe que é
branco e não sabe ler nem escrever. Sinhá Vitória, mulata esperta que sabia
fazer contas com os grãos, Menino mais velho que queria saber ler e queria o
significado da palavra Inferno. Menino mais novo, queria ser um vaqueiro
como o pai. Cadela Baleia, a mais humana das personagens e um papagaio que
não falava, só latia porque era o único som que escutava.
Segundo a professora, o vestibular pode cobrar a hierarquia apresentada no livro:
Segundo a professora, o vestibular pode cobrar a hierarquia apresentada no livro:
como por exemplo, o que representa o Soldado Amarelo e a linguagem do
Tomás da bolandeira, a quem Fabiano tanto admirava. Além disso, pode ser
perguntado sobre o grau de miserabilidade dessa família: a cadela chegando
ao nível humano e o humano descendo à condição de animal. Esta família
vaga pela caatinga tentando chegar em algum lugar, mas podem estar
perdidos, andando em círculo.
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