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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

RESUMO DO LIVRO "O NOME DA ROSA"


O Nome da Rosa é um livro grandioso, mal travestido (intencionalmente)
de uma história de investigação. Não dá para ler sem considerar tudo que 
se fala e tudo que se sabe de Umberto Eco, um homem de erudição ímpar, 
um estudioso, amante do conhecimento, da história, da literatura. Se feita 
uma análise superficial, a trama de O Nome da Rosa é relativamente simples, 
e, ainda assim, satisfatória: no início do século XIV, um ex-inquisidor, o 
inglês William de Baskerville (na tradução que li, não sei por que, 
traduziram o nome para Guilherme), chega a uma abadia famosa na Itália, 
na companhia de um noviço, Adso de Melk, para investigar um assassinato
 (ou seria um suicídio?) de um dos monges, ocorrido no dia anterior. 
William de Baskerville é um gênio, observador arguto, cuja capacidade 
de dedução, imagino, faria inveja a Sherlock Holmes ou a Auguste Dupin, 
seus tatatatatataranetos a quem Eco quis, claramente, homenagear com seu 
primeiro livro. Ao longo de sete dias, diversos outros assassinatos acontecem, 
e o investigador precisa correr contra o tempo – e mostrar todos os seus 
dons – para descobrir quem é o responsável por aquelas mortes. Adicione 
a esta premissa uma biblioteca homérica, uma das maiores do mundo, 
construída há séculos e repleta de segredos, a começar, por exemplo, da sua 
arquitetura: construída no formato de um labirinto, qualquer um que tentar 
percorrê-la corre o risco de se perder e não mais encontrar a saída. Para 
aumentar ainda mais o caráter sensacional da biblioteca, somente o 
bibliotecário tem acesso a ela. Por meio dele os monges chegam a alguns 
livros, já que nem todos os volumes estão disponíveis para consulta.
Por conta desta peculiaridade da abadia, o trabalho de investigação de 
William de Baskerville torna-se mais complicado, uma vez que o abade 
proibiu seu acesso à biblioteca, e as investigações preliminares do inglês 
apontam justamente esta parte da abadia como epicentro de todas as tragédias 
que se desenrolam por ali naqueles dias.

Como eu escrevi, o rótulo “história de detetive” ou “história de investigação” 
pode sim ser aplicado a O Nome da Rosa, mas como se trata de um livro de 
Umberto Eco, há muito, muito mais.

A ambientação, por exemplo. Uma história de detetive no século XIV? Pode 
parecer interessante à primeira vista, mas considerando as motivações dos 
“culpados”, o desfecho poderia soar pouco convincente para o público do 
século XX, quando ele foi escrito. É neste ponto que Umberto Eco começa a 
“mostrar as unhas”, como dizem por aqui. Ele faz algumas escolhas narrativas 
ousadas, mas todas muito bem sucedidas, para evitar que lancemos um olhar 
anacrônico sobre o livro, o que acabaria por quebrar todo o seu encanto.

Primeiro, o narrador, Adso de Melk. Ele nos conta a história quase como se 
estivesse se confessando. Muitos anos depois do ocorrido, agora já um monge 
maduro e experimentado na fé, ele resolve relatar os fatos que vivenciou ao 
lado do seu mestre, fatos que nunca se apagaram da sua memória, tão marcantes 
foram. O tom de sua narrativa é de extrema humildade, e tenho certeza de que 
Umberto Eco emula a escrita dos monges piedosos daquele tempo. Ele não 
recorreu à saída fácil (e muito utilizada atualmente) de retratar um monge 
hipócrita e repleto de defeitos, sem o menor relance de qualquer qualidade 
que seja (e ressalto aqui que, como em qualquer tempo, a Igreja do século 
XIV estava povoada de numerosos exemplos de uns e de outros). Não. Adso 
olha para seu passado, avalia com discernimento os erros cometidos por ele 
mesmo, quando jovem (e não foram poucos), os erros do seu mestre, mas 
mantém sempre o olhar para Deus, centro e razão da sua vida (e como poderia 
ser diferente, se no século XIV o papel da religião era de tal importância que 
dele não se podia escapar? Os livros, as pinturas, a música, o trabalho, os sonhos, 
os estudos, enfim, tudo se fazia tendo como perspectiva Deus, seja com reta 
intenção, seja por motivos mesquinhos). Adso é, portanto, a primeira grande 
vitória de Eco no seu livro de estreia, um dos motivos para seu livro ser tão bom 
e um dos principais responsáveis por situar o leitor em sua época, e ver aquele 
mundo sem anacronismo, mas com os olhos de um monge da Idade Média. Como 
dizer algo diferente após ler esta reflexão de Adso?


“Os homens de outrora eram grandes e belos (agora são crianças e anões), mas 
esse fato é apenas um dos muitos que testemunham a desventura de um mundo 
que vai envelhecendo. A juventude não quer aprender mais nada, a ciência está 
em decadência, o mundo inteiro caminha de cabeça para baixo, cegos conduzem 
outros cegos e os fazem precipitar-se nos abismos, os pássaros se lançam antes 
de alçar voo, o asno toca lira, os bois dançam. Maria não ama mais a vida 
contemplativa e Marta não ama mais a vida ativa. Léa é estéril, Raquel tem 
olhos lúbricos, Catão frequenta os lupanares, Lucrécio vira mulher. Tudo está 
desviado do próprio caminho. Sejam dadas graças a Deus por eu naqueles 
tempos ter adquirido de meu mestre a vontade de aprender e o sentido do 
caminho reto, que se conserva mesmo quando o atalho é tortuoso.”

Um segundo acerto de Eco é o ritmo da narrativa. Lembrou-me, à medida que 
eu lia, algo imenso, gigantesco, como um elefante ou um dinossauro, iniciando 
uma corrida depois de um longo descanso. Os primeiros movimentos são muito 
lentos, talvez até desajeitados, e parece que aquele colosso não conseguirá correr, 
apenas mover-se muito devagar. Assim eu estava até perto do meio do livro, que 
é dividido por grandes seções, que representam cada dia na abadia. As seções, 
por sua vez, são divididas pelos momentos de oração na liturgia das horas: 
Laudes, terça, sexta, nona, vésperas e completas. Naquela época, considerando 
que não havia relógios, esta era a maneira de marcar a rotina – algo muito 
importante – dos mosteiros e das abadias. Eco não vai direto para um assassinato 
ou para uma “cena com ação”. Ele e Adso passam pela Igreja e Adso descreve, 
com profusão de detalhes, o que vê, encanta-se com os símbolos, com as 
esculturas; vão ao scriptorium, onde os monges copistas fazem seu trabalho – 
copiar volumes para enviar a outras bibliotecas, copiar volumes emprestados de 
outras bibliotecas, restaurar e fazer cópias de livros mais velhos, ler, copiar, ler, 
copiar… Neste lugar, Adso não perde a oportunidade de descrever como cada
 monge realiza seu trabalho, de que horas até que horas, por onde saem, para onde 
vão, de onde vieram etc. Assim, Eco vai forçando uma imersão no século XIV, 
para que quando as motivações aparecerem, não nos surpreendamos negativamente, 
achando que o livro não soou convincente. O ritmo lento, entretanto, é uma 
impressão falsa, como já falei. Na verdade, é um gigante que começa a correr, 
e quando ele finalmente está correndo, o ritmo é alucinante e eu mesmo não 
conseguia parar de ler até chegar à última página.

Um terceiro acerto está diretamente ligado à questão do ritmo: a existência de 
uma falsa subtrama que parece pouco interessante de início, mas que ganha em 
intensidade e importância de maneira orgânica, sem que percebamos. William de 
Baskerville não foi até a abadia para investigar o assassinato (ou suicídio?) do 
monge. Ele foi para um encontro importantíssimo na história da Igreja. Naquela 
época, estava em discussão o caráter da pobreza dos franciscanos e de outras 
ordens inspiradas no exemplo do Santo de Assis. Seria lícito aos franciscanos 
possuírem bens? E não possuí-los? Mais do que uma simples celeuma envolvendo 
o direito de haver ordens puramente mendicantes – como, aliás, viveu o próprio
 Francisco – estavam em jogo heresias mais sérias e, principalmente, interesses 
políticos que envolviam desde o papa até imperadores. Não custa lembrar que na 
época em que se passa o livro – ano de 1327 – a Igreja vivia a crise de Avignon, 
Quando, por pressão da realeza francesa, o papa foi obrigado a residir em Avignon, 
no sul da França. Toda esta parte política é explorada com extrema habilidade por 
Eco. No início, eu ia lendo e pensando: aonde isso vai chegar? Mas à medida que 
o livro avança, vamos ver que não havia nada de subtrama. Pelo contrário, os 
crimes ocorridos na abadia acabam dialogando com as heresias que então se discutia.

Não dá para ler O Nome da Rosa sem ter em mente que quem o escreveu foi Umberto 
Eco, eu escrevi no início deste interminável texto. Apesar de eu não ter lido muita 
coisa dele (A misteriosa chama da Rainha Loana, Confissões de um jovem escritor, 
alguns dos ensaios de Seis passeios pelos bosques da ficção e ensaios soltos aqui 
e acolá, sei como Eco é erudito e um leitor do tipo adorador. Alguém como Jorge
 Luis Borges, que sempre imaginou o paraíso como algum tipo de biblioteca. 
Borges, aliás, é um dos grandes homenageados em O Nome da Rosa, seja pela 
presença terrível da biblioteca da abadia (as bibliotecas sempre foram algo muito 
fascinante para o escritor argentino), seja pela imagem do labirinto, também muito 
presente na literatura de Borges, seja também por um dos monges, um velho cego e
 muito sábio chamado Jorge. Fechado o parêntese sobre Borges, retorno à paixão de 
Eco pelos livros. Eles são a alma de O Nome da Rosa. Os livros e o que neles está 
escrito, o livro e o que eles escondem ou mostram, os livros e suas histórias. 
Vejam este diálogo entre William e Adso, longo, mas recompensador:


“…Preciso pensar sobre isso. Quem sabe tenha que ler outros livros.”
“Como assim? Para saber o que diz um livro deveis ler outros?”
“Às vezes pode-se proceder assim. Frequentemente os livros falam de outros livros. 
Frequentemente um livro inócuo é como uma semente, que florescerá num livro 
perigoso, ou, ao contrário, é o fruto doce de uma raiz amarga. Não poderia, lendo 
Alberto, saber o que poderia ter dito Tomás? Ou lendo Tomás saber o que tinha 
dito Averroes?”
“É verdade”, disse admirado. Até então pensara que todo livro falasse das coisas, 
humanas ou divinas, que estão fora dos livros. Percebia agora que não raro os 
livros falam de livros, ou seja, é como se falassem entre si. À luz dessa reflexão, 
a biblioteca pareceu-me ainda mais inquietante. Era então o lugar de um longo e 
secular sussurro, de um diálogo imperceptível entre pergaminho e pergaminho, 
uma coisa viva, um receptáculo de forças não domáveis por uma mente humana, 
tesouro de segredos emanados de muitas mentes, e sobrevividos à morte daqueles 
que os produziram, ou os tinham utilizado.
“Mas então”, eu disse, “de que serve esconder os livros, se pelos livros acessíveis 
se pode chegar aos ocultos?”
“No decorrer dos séculos não serve para nada. No arco dos anos e dos dias serve 
para alguma coisa. Vê como nos encontramos de fato perdidos.”
“E então uma biblioteca não é um instrumento para divulgar a verdade, mas para 
retardar sua aparição?” perguntei estupefato.
“Não sempre e não necessariamente. Neste caso é”.

O Nome da Rosa é um livro de muitas camadas. Você pode ler como um livro de 
detetives e terminar satisfeito. Pode ler como um romance histórico e também 
terminará feliz. Pode ler como um estudante da religião, como um amante dos 
livros, como um místico… É um livro que permite múltiplas abordagens, um livro 
que você termina sabendo que há muito ali a ser descoberto, um dos requisitos 
de um clássico.
Falei de tudo isso e não falei da prosa de Eco. Não sei em que escola classificá-la, 
falta-me conhecimento teórico para tanto, mas posso dizer que é uma delícia de se 
ler. Um dos momentos mais marcantes, e que constituem, para mim, as páginas 
mais belas e impressionantes do livro, são aquelas em que o jovem e puro Adso 
cai num pecado grave. Com que talento Umberto Eco descreve tudo que se passa 
no corpo e na mente do noviço! É realmente de tirar o fôlego, de fazer você parar 
a leitura, fechar o livro e soltar interiormente uma exclamação do tipo “Filho de 
uma égua que escreve bem!”
Com um final simbólico (não me perguntem sobre todos os significados, pois 
tenho certeza de que não consegui captá-los todos), O Nome da Rosa impressiona, 
principalmente se levarmos em consideração que foi o livro de estreia de Eco na 
área da ficção. Tudo bem que Eco não era um garoto, já tinha seus 48 anos, mas 
mesmo assim…

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