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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

RESENHA DO LIVRO "VIGIAR E PUNIR"





NASCIMENTO DA PRISÃO

O livro Vigiar e Punir – nascimento das prisões, de Michael Foucault, 
mostra a evolução das práticas punitivas e disciplinares através dos 
séculos, desde a ostentação dos suplícios, com o domínio sobre o 
corpo de forma brutal, passando por um sistema de punição e 
disciplina que engloba toda uma produção de saberes chamados 
científicos. O livro mostra, ainda, a relação que existe entre o poder 
e esses diversos saberes, compreendido entre juízes, advogados, 
médicos, entre outros.

Foucault inicia seu relato contando em detalhes uma cena de 
suplício, como forma de punição, em praça pública e logo após a 
rotina de uma prisão para jovens, na qual se vê a utilização do
 tempo como um recurso para punição. Elas não punem o 
mesmo tipo de crime, mas define certo estilo na aplicação das 
penas. A diferença principal entre ambas, na verdade, diz 
respeito apenas à mudança no estilo das penas, mas não 
do controle sobre o corpo. Anteriormente, nos suplícios, 
o corpo era maltratado, esquartejado e supliciado fisicamente 
e exaustivamente, até a morte. Menos de um século depois, 
o mesmo corpo é preso e controlado dentro de uma prisão.

O suplício, como forma de punição, tem duas características: 
a primeira como forma de vingança do soberano, e segunda 
de servir de exemplo para as pessoas que assistem ao 
espetáculo. Mas com o passar do tempo, esse espetáculo, 
com todas as pessoas envolvidas (carrascos, principalmente) 
mostra-se ineficiente, A mesma população, que antes ovacionava 
o mini teatro do suplício, muitas vezes coloca-se ao lado dos 
criminosos, pois tal pena começava a demonstrar muita crueldade 
por parte do governo. Eram comuns cenas na qual o carrasco 
desistia ou os dispositivos (forcas, cavalos, etc) não funcionavam 
ou mesmo a população libertava o preso, que se tornava objeto de 
piedade ou até mesmo de admiração.

Com todos esses problemas e a pressão de alguns reformadores 
da época, o espetáculo do suplício, foi se extinguindo. Aos poucos, 
saiu do campo corporal e entrou no campo da consciência.

“A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, 
provocando várias conseqüências: deixa o campo da percepção quase 
diária e entra no da consciência abstrata; sua fatalidade é atribuída à sua 
fatalidade e não a sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que 
deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a 
mecânica exemplar da punição muda as engrenagens” 
(FOUCAULT, 2009, p. 13)

As práticas punitivas se tornam mais “humanistas”, e o domínio 
sobre o corpo desaparece, dando lugar a práticas que irão 
“corrigir”, “reeducar”, “mudar”. A dor e o sofrimento físico 
não são mais elementos construtivos da pena, dando lugar 
à perda de um bem ou um direito, castigos ou trabalhos 
forçados, privação sexual, expiação física, entre outros, 
ou seja, mesmo tendo alguns elementos de violência física, 
ela, agora é mais “velada”.

Nesse momento são criados os códigos e sistemas de 
penalidades, no qual são colocadas todas as espécies de 
crimes. Julgar encontra o termo de “estabelecer a verdade 
sobre um crime, determinar seu autor e aplicar-lhe uma 
sanção legal”, ou seja, três condições essenciais 
para a aplicação da punição: conhecimento da infração, 
conhecimento do responsável e conhecimento da lei 
permitiam estabelecer um julgamento como verdade. 
Interessante ressaltar, conforme descreve o autor, o 
fato de como a loucura evoluiu na prática penal. No caso 
de um criminoso ser considerado louco, seu crime 
desaparecia. Ele cumpria a penalidade estabelecida não 
por causa do seu crime, mas por ser considerado louco. 
Para eles, era impossível julgar alguém louco e criminoso ao 
mesmo tempo. Ele devia ser enclausurado e tratado, e não 
punido. E é justamente neste ponto que evolui a nova 
jurisprudência, na qual o juiz começa a exercer um papel 
diferente de “julgar” um crime.

O juiz não julga mais sozinho, pois ao longo do processo 
penal e da execução da pena, surgem várias instâncias 
anexas (pequenas justiças, juízes paralelos, peritos 
psiquiátricos ou psicológicos, educadores, funcionários da 
administração psiquiátrica) que dividem esse direito de julgar.

“Sob a suavidade ampliada dos castigos, podemos então verificar 
um deslocamento do seu ponto de aplicação; e através desse 
deslocamento, todo um campo de objetos recentes, todo um novo 
regime da verdade e uma quantidade de papéis até então inéditos 
no exercício da justiça criminal. Um saber, técnicas, discursos 
“científicos” se formam e se entrelaçam com a prática do poder 
de punir” (FOUCAULT, 2009, p. 23)

E é assim que acontece um fato interessante, pois com 
essa fragmentação, o poder de punir passa do “soberano” 
para a sociedade. O criminoso, ao ser punido, é encarcerado,
forçado a trabalho escravo ou pagamento de multas. Não é 
mais a violação do corpo, mas a violação dos direitos que 
está em pauta. A condenação e o que a motivou, deve ser 
conhecido por todos, mas a execução das penas ou castigo 
deve ser feita em segredo, na prisão. E é nessa prisão que 
se pretende fazer a reeducação do espírito também, através 
do fornecimento de livros religiosos, e dos inspetores 
salientarem que o mal do crime cometido era contra 
a sociedade que o protegia e a necessidade de fazer uma 
compensação quanto a isso, tendo a oportunidade de agir de 
maneira correta futuramente, justamente como ocorre até os 
dias atuais.

Essa reeducação do espírito criou formas de disciplina, ou 
como diz Foucault, a formação dos corpos dóceis, pois o 
importante agora é prevenir que delitos da mesma espécie 
não aconteçam e isso só acontecerá num regime disciplinar 
no qual os corpos são controlados e essa disciplina deve impor-se 
sem que haja uma força excessiva, mas sim através de observação 
e vigilância.

Há uma distribuição e divisão, a partir desse momento, dos espaços 
e dos corpos nesses espaços criados para disciplinar o indivíduo. 
As fileiras, as classes com seus lugares demarcados 
(organização serial), os presos em celas específicas, tudo isso, 
marcam lugares e indicam valores.

“A primeira das grandes operações da disciplina é então a 
constituição de “quadros vivos” que transformam as multidões 
confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas” 
(FOUCAULT, 2009, p. 126)

Neste ponto, o autor destaca a correlação entre as escolas, 
as prisões, hospitais psiquiátricos e quartéis, todos como 
forma de disciplinar o indivíduo, feito para seguir regras. 
O poder disciplinar, ao invés de se apropriar e de retirar, 
tem como função “adestrar”. Torná-los corpos dóceis.

Mas esses corpos dóceis exigem “vigilância”, o que é bem 
exemplificado pelo Panóptico, idealizado por Jeremy Bentham: 
na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre 
para vigilância. Principalmente para controlar a massa de detentos 
nas prisões. Ele é visto, mas não vê. Ele funciona como uma 
espécie de laboratório de poder, pois com seus mecanismos 
de observação, ganha em eficácia e em capacidade no 
comportamento dos homens.

De acordo com o autor, é o efeito que ele causa: induzir um 
estado consciente e permanente de visibilidade é que assegura
o funcionamento automático do poder dessa vigilância.

Foucault ressalta que a disciplina, apesar de estar presente 
nas instituições, não pode se identificar com ela, pois é um tipo 
de poder e modalidade para exercê-lo, que comporta todo 
um conjunto de instrumentos, técnicas, procedimentos, níveis 
de aplicação. Está a cargo de todas as instituições, desde as 
penitenciárias, passando por hospitais, escolas e até relações 
familiares, entre pais e filhos.

Podemos perceber neste ponto a evolução do que é imposto para 
a justiça penal. Antes era o corpo do culpado contra o soberano, 
depois o sujeito privado dos direitos e agora é o indivíduo 
indisciplinar, o qual não seguiu as regras impostas pelo regime 
disciplinar. 

O autor dedica então a última parte do livro para falar 
exclusivamente do sistema prisional, como instituição completa 
e austera, onde as técnicas corretivas e disciplinares fazem parte 
da armadura institucional da detenção legal. Mas estas técnicas 
corretivas e disciplinares não fazem parte apenas do sistema 
prisional, elas fazem parte da sociedade moderna e está 
presentes na constituição da igualdade, o que faz com que seja 
difícil de ser questionada, pois é aparentemente natural e achamos 
que é a única maneira de nos organizarmos como sociedade. 
Mas ela não serve ao homem de fato, mas sim ao rendimento e 
à eficácia.

Michel Foucault nasceu numa família tradicional de médicos, 
em 15/10/1926, na França e morreu em 25/06/1984. 
Mudou-se para Paris e em 1946, conseguiu ingressar na 
École Normale. Dois anos depois, Foucault se licenciou 
em Filosofia na Sorbone e no ano seguinte formou-se em
psicologia. 

Aos 28 anos publicou "Doença Mental e Psicologia" (1954) e 
com o livro "História da Loucura" (1961), sua tese de doutorado 
na Sorbonne, se firmou como filósofo, embora sempre 
preferisse ser chamado de “arqueólogo”. Sua obra seguinte, 
"Vigiar e Punir", é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade 
moderna. Em 1984, pouco antes de morrer, publicou outros 
dois volumes: "O Uso dos Prazeres", que analisa a sexualidade 
na Grécia Antiga e "O Cuidado de Si", que trata da Roma Antiga. 
Morreu em 1984, aos 57 anos, em função de complicações
 provocadas pela AIDS.

  
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 
36ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

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